segunda-feira, 4 de julho de 2011

A MORTE DE UMA SANTA



                 A MORTE DE UMA SANTA


Portugal- 1585 Santa  Inquisição


O INQUISIDOR


Devo deixar bem claro o julgamento deve transcorrer na mais aparente ordem para que a história não venha dizer que levamos para a fogueira milhares de inocentes. Essa mulher deve ser queimada junto com o livro dos Magos de Santa Ana. Vejam esses desenhos? Heresias... Blasfêmias! Mulher, ninguém na face da terra conhecerá a tua verdade!


(Neste momento entra o soldado da inquisição e entrega uma denuncia).


O INQUISIDOR


Senhores, acabo de receber uma denuncia que está ligado a esse julgamento. O acusador pede o anonimato. A delação foi movida pela fé na Santa Madre Igreja trazendo uma lição: De que os traidores da Gênese não podem ficar encobertos!!!!!


O SOLDADO


Trouxemos a prova do crime: esse tapete bordado.


O soldado abre o tapete e  estende no chão..


-ÓÓÓÓÓÓÓ!


Uma mulher deu um grito de pavor e desmaiou! Outras mais curiosas só tamparam os olhos depois de se deliciarem com a obra de arte herege.. Varias freiras sendo empaladas de quatro por anjinhos. Padres fornicando dentro do confessionarios. Uma sacristia com criancinhas estudando catecismo e acariciando os órgãos genitais dos padres que olhavam para o céu perdoando os pecadores com suas indulgências. O inquisidor com olhos de indignação tapou o rosto e deu um grito de revolta:


O INQUISIDOR


Soldado cubra essa blasfêmia para que eu possa jogar sal grosso e água benta nessa obra satânica!!!! Guardas prendam a possuída!!!!


O SOLDADO


Senhora Luana dos Pintos considere-se presa por ordem do Santo Oficio.


AS AMIGAS SANTAS


OOOO-QUE-EEEE? ???? CUUUUSS IN CREDUS! ÓÓÓ! Luuuuaaaniiinnha é santinhaaa! !!!!!


O INQUISIDOR (Apontando o dedo para a esquálida bordadeira)


-Bruxa transformista! Sua máscara caiu!


(Um jovem se levantou e disse:)


O JOVEM


Essa bruxa queria me possuir! Ofereceu-me carne de veado rosado! Vestida de cigana olhou nas cartas e disse que estava escrito que eu me casaria com uma bor-daaa-deiiirrra!Ela me enfeitiçou genteeeeee! Tô sentindo uma coisa estranha dentro de mim... Aaaahhhh!


O jovem cai no chão se debatendo e babando. Era o prelúdio da balburdia.


O INQUISIDOR


Tragam a bruxa!!!!Os Inocentes estão sendo acometidos de sortilégios.


Uma santa revoltada aos berros:


Gente depressa-depressa Luana precisa de um habeas-corpus!!!!!


(Uma velhinha da bengala se levanta irada)


-O meu coração não aguenta tanta sacanagem! Essa nunca foi mulher! Que hábeas-corpus? Ele tem que ser arrombado com a pêra anal! Abram as cortinas! Eu quero assistir de camarote todos os atos dessa cena!


O SOLDADO


Senhor inquisidor as santas estão enlouquecidas!O tribunal está cheio de sodomita!!!!!!Isso aqui parece uma passeata rosadaaa!!! 


(Tumulto dentro do tribunal. Luana tenta fugir. Pede so-co-rro a Fredo. Mas esse se debanda para o outro lado do inquisidor falando grosso e fino. Tinha se esquecido que estava travestida de Carlota.Tentou esconder a face com os cachos da peruca. Corre para junto de um grupo de beatas para se ocultar melhor. Peida e abre nervosamente seu leque cobrindo o rosto e gritando com voz de macho: )


CARLOTA


Prenda esse veado rosado!


Luana olha para ele com ódio.


LUANA


Carlota sua bicha traidora! Estrela decadente! Deu o seu poderoso falsete:Veeeeeeeeeneeeeenooooosaaaaaa!


Porradaria geral. A briga das santas amigas enfurecidas. Umas falando grosso que nem macho e outras gritando fino.


O INQUISIDOR

-Ordem!Ordem!Silencio dentro desse tribunal.


Vários homens de preto encapuçados invadem o tribunal armados com espadas e pistolas. Dão tiros para cima e gritam:
-Todos quietos! Rendam os guardas.
Um deles caminha até Carlota e entrega elegantemente uma espada.


O ESTRANHO


Chegastes ao centro do labirinto. Eu sou o Minotauro. Defenda-se! Começa no interior do tribunal a luta de Carlota com o seu monstro. Sua vida ou sua morte? Carlota com uma das mãos levanta a ponta esquerda do vestido. Fica na posição de esgrimista. Estende a perna esquerda para frente realçando os sapatinhos de salto agulha quinze, tamanho quarenta e seis. Com a vóz indefinida fala para o adversário: (com vóz de macho)


CARLOTA


Vou mostrar quem é Carlota a poderosa! (Com voz de fêmea)


O barulho e as faíscas das espadas eram ouvidos por todos. Carlota trepa na mesa do tribunal do seu palco. Sim, o seu palco! As cortinas estavam abertas e o teatro lotado. Aquela era o ato da sua peça ´´O NOSSO ESTILO´´ Carlota da um golpe certeiro e fere no braço seu adversário. Era boa esgrimista e tinha feito balê. Sabia dar saltos de gazela com perfeição. Apesar de estar um tanto gordinha. Os dois cruzam as espadas e ficam cara a cara. Derrepente o seu lado feminino se manifesta quando ela segura os braços fortes do homem. Ah! Era uma pena matar um fortudo gostosão! Devia ter um membro... Que loucuraaaaa!!!!! Mas logo o lado de macho fala mais alto. Carlota fala grosso:


CARLOTA


Retire a máscara que encobre a tua verdadeira face odiosa! Eu mato a cobra e seguro o pau. Ai que cabeça. Eu mato a cobra e mostro o pau. Ai gente que dúvida! Eu seguro a cobra e como o pau... De qualquer jeito. O mascarado confuso tentou corrigir a frase e se desconcentrou da luta e... Carlota se aproveita e da uma rasteira e o homem cai. Acerta os cachos da peruca que encobria um dos olhos.. Grita:


CARLOTA


Sou a poderosa... Tudo pelo reino das santas! Corre e da um salto de gazela para desferir a estocada fatal no coração do adversário. Mas quando bate no chão o salto agulha quinze do sapato não suporta seu peso e quebra.


AS SANTAS


Óóóóóóóó!Carlotinhaaaa caiu! (Ela é ferida com a própria espada.)


CARLOTA


Eu mesmo me feri!Que é isto gente? Ah! Foi essa merda de salto!O meu leque! O meu leque! !!!!!


Na confusão os mascarados pegam Nininho e fogem. (Nino desesperado grita;)


NINO


Levaram meu Nininho.


Auxiliadora cai desmaiada. É socorrida pelo o padre Bentinho. (A velha de bengala se levanta furiosa;)


A VELHA


Eu quero assistir essa obra chamada vida!No final da peça todas as máscaras caem.


PADRE BENTO


Faço da tua dor a minha dor. Onde está o pai do teu filho?


AUXILHIADORA


Ah! Como é bom saber que nessa hora um filho tem um padre por quem orar.


PADRE BENTO


Pai nosso que estais no céu... Perdoai nós os pecadores...


AUXILHIADORA


Vejam as faces são as mesmas. Veja Nino está lá ajudando as pessoas. É um ser humano quase perfeito, apenas não acredita em certas verdades.


Nino vai com o inquisidor até Carlota.


LUANA


Eu quero me despedir da amiga. Eu como homem...fico orgulhosa de ver a sua mulher... como homem.


CARLOTA


Somos o que somos. Quem pode nos mudar? Será que queremos mudar? Oh! Máscaras...Até quando vamos usá-las?


LUANA


Lutastes com a elegância de uma mulher. Talvez seja essa à hora de ser o que realmente somos.






CARLOTA






Sinto que vou partir Luana. Veja que destino!Ferida mortalmente pela minha própria espada. Gente eu quero o meu leque!

Luana entrega o leque para Carlota. Ela da uma porrada com seu leque no chão e diz:


CARLOTA


Que merda! Isto é hora de sair de cena. Quem escreveu esse roteiro? Luana você que é metida a intelectual quem escreveu essa cena? Eu tenho estilo,ati-tu-deeee! Como posso sair de cena do meu reino morrendo inconformada sem ao menos dar um pouco do meu talento ao meu último ato?






( Algumas santas tentam consola-la explicando que o roteiro da vida é incontrolável.)


CARLOTA


Estou partindo minhas santas. Luana cante um réquiem como nunca cantastes. No final de o seu falsete.


Luana sobe na mesa do tribunal coloca as mãos no coração e da uma nota aguda como um grito de dor.
-Aaaaaaaa-aaaaeeeeeeeeiiiiiiiiiiii.
E começa de forma linda o seu ´´Requiem para Carlota´´. As lágrimas escorrem da sua face esquálida dando a cena a tragicidade pedida. O público se emociona.


Uma senhora gorda e suada fala para o marido:


-Olha o meu braço? Estou toda arrepiada. Uma ópera de Mozart! .


NINO


Traga-me soldado um pano molhado para que eu possa remover a pintura da santinha e  retirar a sua peruca.


CARLOTA


Não dá mais para tirar a peruca nem a minha máscara. Está é a face verdadeira de Carlota. Ela é o símbolo do palco do meu teatro.. Fiz bem o meu papel nessa comédia chamada vida? Nela fui justo ou fui cruel? Fiz bem o meu papel nessa comédia chamada vida? Respondam! Se gostaram eu quero aplausos!


O povo aplaude. Calota geme de dor e diz:


CARLOTA


É o fim do meu último ato desta peça chamada ´´vida´´.
Vida dos incompreendidos, dos perseguidos, dos torturado
dos traidores e dos crucificados.
É a história da falsa moral.
Fui traído ou fui traidor ?
Quero mais aplausos!


Nino cai sobre o peitos de Carlota e diz:


NINO


Carlotinha você está muito mal. Gente estou emocionado... Acho que vou chorar...gente eu estou passando... o mal. Ah melhorei já passei... o mal.


Tira o lenço do bolso enxuga os olhos e limpa a impertinente saliva que escorria das comissuras da boca.


NINO


Acalme a tua alma.Você já está com um pezinho dentro do meu reino... está até gordinha e manquetinha... O meu reino agradece...






CARLOTA (moribunda)








Eis que ela vem chegando,


Sem pedir licença a invadir-me.


Oh! Morte intrusa, morte!


Figura nefasta, misteriosa,


descarnada, Carcomida,


espantosa e implacável.


Afasta a tua figura macabra


em respeito


aos dignos poetas do palco da vida.


Vem, porque em mim não terás mais abrigo.


Assuma o aspecto da bela dama que parte


Levando consigo os amores eternos da vida.


Oh! morte... Essas damas não choram quase nunca!


Quando choram há um silencio mudo, sufocado


Capaz de transformar um simples olhar


em um breve murmúrio de adeus.


Eu sou Carlota, filha dos nobres,


santa por opção e devoção.


Trago no peito a estrela rosada


como protesto de todas as rosas queimadas.


Parai todos a morte de uma santa tem estilo


é o nosso estilo...


Santas... Acabo de ferir fatalmente a morte intrusa morte!


Óooooohhhh...(suspiro)






LUANA ( da o seu falsete)


Ahahahahah!


Carlota peida.. suspira e fecha a cortina dos olhos. O seu leque inseparável aberto sobre a face deixa amostra apenas os olhos fechados da sua ultima cena.