domingo, 1 de maio de 2011

A IGREJA NÃO É LICITO MATAR




                                     A IGREJA NÃO É LICITO MATAR
TEXTO DO LIVRO OS MAGOS DE SANTA ANA
PORTUGAL- INQUISIÇÃO-1585

 O pavor mais uma vez estava na mente da população com a prisão sumaria de mais um herege Nelton Ramalho conhecido nas noites e no bordel de Miay como Luana do Pinto. O povo mais ávido pelos espetáculos da fogueira levaria para as mãos do carrasco um sodomita, aliado do demo. Luana, uma ora ria dando altas gargalhadas outra chorava desesperadamente implorando pela piedade. Ela dizia com uma voz grossa:
   --Eu como homem!
Os encarcerados acordaram assustados dizendo:
   -- Está com a coisa no corpo. Está possuída! Cruz credo!
Os presos batiam nervosos os pratos nas grades fazendo um barulhaço gritando:
 - O Cabra do demo já possuiu a Luana! Chamem o padre Manquinho ´´o exorcista´´!
 Luana para de gritar e começa a esquentar a voz procurando sua afinação correta.
 Do- ré- mi -fá -sol- lá -si- dó.
Repetia seguidamente procurando a afinação  certa para começar o prelúdio do seu ´´réquiem, DIU IO COMU HOMU. Sim, ela não morreria como uma  qualquer. Cantaria para mostrar elegância, delicadeza, cultura e também indiferença até na hora da morte para os que não sabiam dar valor a arte de um sodomita! Aquela seria a ópera das queimadas, empaladas, enforcadas. Sim, quantas coisas ela foi obrigada a engolir pela vida. Foi também um pouquinho cruel. Tinha destilado veneno em muitos corações. Lembrou de Ariadne. Pensou em se enforcar... Mas não teve coragem. O suicídio pode ser o fim de um tormento. No caso o seu tormento estava começando. Além disso, bicha enforcada é  uma decadência total. Lembrou da mãe que odiava.  Cega nojenta! Mas a velha não era tão má assim... Apesar das porradas e dos gritos da mãe, ela não merecia tanto Por isso ia morrer virgem. Ele como homem... Não tinha sido possuído por nenhuma mulher! É verdade! E a moral? Ah! A moral... Os bons são os justos na face da terra. Ela não era boa, portanto não era justa. E os justos da fé estavam ali para mandá-la para o fogo do inferno não do céu. Luana fica pensativa... Quem seriam seus delatores? Isso ela nunca descobriria. Cansada Luana adormece sem ver o último nascer do sol que iluminava  suavemente as correntes e os lindos sapatos que ela daria os últimos passos até o queimadoro.
 Teve um sonho. Dançava linda, formosa, elegante, travestida de espanhola com os cabelos presos a la chirol. Uma dama.!Seu acompanhante vestido de toureiro ao invés de dançar com ela tinha uma cara rude e duas espadas erguidas para furá-la. Ela fugia até que ficou encurralada por um touro negro e acordou. Que pesadelo!Voltou a dormir.
 Os sinos da igreja badalavam 6 horas. A multidão aguardava a chegada para subir ao palco  ´´o rei dos bordados´´! A transformista devassa e herege para o grande espetáculo que a natureza humana não podia perder. Luana, aparece na rua principal ao longe. O povo grita:
-Herege transformista!
 Ela caminha ladeada pelos soldados. As batidas dos tambores aterrorizavam os presentes. O povo fica em silêncio. Olhou para o seu vestido de dançarina de passo doublé. Ah! Os seus vestidos... Como era bom desenha-los, cortar delicadamente os tecidos costura-los com agulhas de ouro firmando os pontos nos dedais até chegar à obra prima final. Que prazer era vesti-los à noite rumo às madrugadas no bordel para ser admirada. E tal qual a mais provocante mulher tiraria peça por peça até se mostrar nua... Assim podia se sentir mulher. Possuída pelo macho admirador de sua obra. O  artista não pode ter falsos pudores de expressar com  liberdade o valor de sua  arte mesmo sabendo que  sua criação poderá ser amada ou odiada Uma mulher forte com uma vassoura na mão grita para Luana;
-Tem que ir para a fogueira mesmo!
Ela vira o rosto. Caminha elegante ,firme ,com seus sapatos grandes de rosa claro combinando com seu vestido rosa forte. Ela enfim se sentia fiel. Não abandonou a sua arte. Não foi venenosa.Não a traiu. Morreria com a sua criação. Era  o Génesis.
 Luana desfilou maravilhosa, aparentemente serena, segura de não dar trabalho ao carrasco. Ao atravessar a praça percebeu a porta que ela tinha aberto.. Era tarde demais para mudar suas escolhas. O seu roteiro estava chegando às últimas cenas. Ela sobe os degraus do queimadoro. O carrasco estende a mão para ela. Luana sobe de mãos dadas com o carrasco. Começa a cantar o réquiem.Depois dá um poderoso agudo.
 -Ahhahahahahahah!!!
 Que palco! A praça cheia! Qual o roteiro do seu último ato?
O povo aplaude e fica em silêncio.  Nisso chega a sua mãe dona Margarida ´´a cega´´ e grita:
 --Por favor, santo inquisidor, clemência por meu filho. Tendes compaixão. Meu filho não faz mal a ninguém.
 A velha quase cai se não fosse amparada rapidamente por Nino o gordo.
-Gente a cega não vai aguentar ver o filho morrer queimado. Eu acho...  Acho... Que  estou passando... O mal!
Nino e dona Margarida cega´´ são amparados.
Nino
--Obrigado, acho que já passou... O mal. 
 O carrasco  vestido de preto com um capuz enorme com olhos avermelhados, coloca Luana de quatro com o peito amarrado em um banco. Suas perninhas magras começam a tremer.. Aquilo estava começando a ser aterrorizador. O carrasco amarra as suas mãos nos pés do banco. A cabeça fica para fora, solta. Luana  desesperada com seu pescoço para fora do banco sem apoio e de quatro. Oh!Uma dama de quatro! Ele levanta a saia de Luana. Tira uma faca e corta suas calçolas deixando a bunda magra a descoberto. Em seguida passa azeite nas partes intimas.
 O Santo inquisidor  também conhecido na Espanha com´´ el loirone ´´chega até Luana, se ajoelha ao seu lado e fala baixinho em seus ouvidos como se estivesse orando para ela. Pega o pequeno saquinho onde guardava um pouquinho da terra e das cinzas da  pátria querida. Cheira e da um beijo. O povo murmura:
 - Silêncio! O santo inquisidor esta fazendo uma prece para a besta transformista. Está pedindo o perdão para a alma sodomita.
 Don Lascaro ergue as mãos. O seu serviçal entrega o  cálice de vinho. A sua mão com o anel cardinalício se fecha no cálice com o ´´arbitrium.´´ Ele toma. Levanta a sua capa elegantemente. Da dois passos e depois gira no sentido anti- horário em torno de Luana. Estava simplesmente dando os passos finais de sua dança preferida: passo doublé´´. Na mão direita segura o  crucifixo como  uma espada para a estocada final. Chega até Luana e segreda no seu ouvido:

 O INQUISIDOR

- Besta transformista!Lembra quando me tentastes? Lembra, quando quisestes forçar a quebrar a minha sagrada dieta da carne? Lembra quando eu disse que um dia poderia sucumbir a tentação, não para comer carne de veado, mas sentir o cheiro envolvente produzido pelo fogo queimando vagarosamente este teu  rabo do demónio? Acredite vou cheirar a tua carne´a la torquemada´e pendurar a tua cabeça como enfeite. Sabes qual é o teu maior pecado? Em tua vil arrogância tentastes ferir o grande criador. Tentastes mudar a própria génese! tentastes criar com a inspiração do demónio uma nova criatura. Este é o seu pecado. Vá para o inferno! Em nome de patri, di fili e di espirit santi....
 Ele se levanta joga água benta em Luana que aterrorizada já tinha se mijado e cagado toda.

LUANA
-Piedade!
 Gritou: Deus tende piedade de mim!
-Coitadinho do seu filho dona Margarida
Nino cambaleia e se apóia em um velhinho e quase o derruba.     
NINO O GORDO                                    
Gente estou passando o mal... Acho que vou passar o mal... Me segura dona Margarida vou passar... O mal.Passei!!!
 Nino segura dona Margarida
Como é bom nessa hora ser cego dona margarida.
 O carrasco  empala  Luana com uma pêra anal. Ela geme. Que dor miserável era aquela. O fogo começa a consumir sua parte inferior. Ela grita de dor e  pavor.
O inquisidor olha para a cena e pensa:

O INQUISIDOR

-Até na hora da morte essas criaturas são cômicas.. Não consigo conter meu riso. Acho que vou dar uma gargalhada. Esta cena parece uma comédia.

Se ajoelha rapidamente pega seu terço coloca entre as mãos e cobre a face. Soluça alto varias vezes acompanhado de um aparente choro.
 Prendeu tanto a gargalhada que duas lágrimas caíram de sua face. Retira lentamente as mãos dos olhos.... Olha a cena.Vinha a incontrolável vontade de rir que acabou caindo de  cabeça no chão. Uma velha beata comenta com a amiga:

A BEATA
-- Meu Deus daí força ao santo inquisidor de carregar essa cruz.
 Corre para ampará-lo.
--- Ele está chorando. O santo inquisidor está cho-ran-doooo!
 O inquisidor se levanta. Toma mais um cálice de arbitriun e sobe calmamente até o grande palco.
  O povo grita.
 - Morte ao herege transformista! Queima Jesus! O santo inquisidor olha para o carrasco faz um gesto com a mão.
Luana olha para os olhos de seu carrasco. Nota que entre as sobrancelhas negras escorria uma gota de sangue. O carrasco fica na frente de Luana. Se apóia em  um dos pés. A sua figura era aterrorizante. Segura na mão esquerda uma taça de pedra suja de sangue. Na mão direita o seu instrumento: um afiado machado.
Luana grita:
 --Um machado!
 Ele abaixou o pé. Quando bateu no chão toda a terra tremeu. Diante do horror daquela figura Luana a reconheceu. Ela reconheceu o seu carrasco! Ainda grita:
 -Eu não quero mais ser um raktavaji! Mami me salva!
 O santo  inquisidor olha para o carrasco e diz::
 -A igreja não é licito matar. Nós não queremos sangue.
Luana então da um grito com seu poderoso falsete, com suas últimas meias frases de falseta... A sua confissão:

--Eu  commmmmmmooooo homemmemmmm e não mulher!!!!
Dona margarida recupera a visão e olha o filho vestido de mulher.  Grita desesperada:
 Não era um falsete. Era um grito sem cegueira.
 —Meu filho é um viado! Um sodomita boqueteiro!
  O machado corta o pescoço de Luana, sem compaixão, sem piedade, sem perdão que cai rolando no cesto ensanguentado.. O carrasco pega a cabeça de Luana. A boca estava aberta com o seu último grito. Os olhos arregalados  mexeram quando o carrasco mostrou o espetáculo a platéia. Encheu a sua taça de sangue e bebeu prazerosamente gota por gota.A igreja não mata, mais bebe o sangue de suas vitimas.
 O fogo sobe consumindo o corpo de Luana, sua arte, a sua obra. Era o seu castigo, sob a inspiração das mãos do seu próprio terror.