sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

UMA CANÇÃO PARA MARIA

                                     










                                                            UMA CANÇÃO PARA MARIA

TEXTO DOS MAGOS DE SANTA ANA

Coimbra-1888

 Era o dia consagrado a Nossa Senhora de Santa Ana. Ele estava no
solar 84 acabando de tomar o seu banho. Não demorou. Foi para o
quarto. Colocou apressadamente sua roupa nova para aquele tempo. Era
um terno de linho preto, muito bem engomado. Abotoou o colete. Ajeitou
seu relógio de bolso. Olhou as horas. Eram vinte horas. Foi à sala na
mesa central da rosa dos ventos e desvirou a sua ampulheta. Voltou
para o quarto. Pegou a sua gravata borboleta. Ajeitou-a corretamente
no colarinho da camisa branca e vestiu o paletó. Dobrou o lenço
vermelho de bolinhas brancas e colocou no bolso superior. Olhou-se no
espelho. O tempo o tinha o transformado sem que ele perdesse a sua
essência.  Foi para a sala, colocou o seu chapéu branco. Pegou a
bengala com a águia prateada. Deu três batidas no chão dizendo:
--Eis o meu tempo. Nesse tempo EU SOU... É o meu decreto! Abriu a
porta do solar 84 e se deparou com uma linda lua cheia.
 Caminhou pela rua com incontestável elegância. Passos firme e
apressados. Seu corpo estava quente. Uma emoção  diferente. Seu
coração batia forte e rápido. Podia senti-lo nas pontas dos dedos.
As pessoas o olhavam. Alguns comentavam: Este homem não é desse lugar.
Alheio a tudo ele caminhava com pressa de chegar. Parou numa livraria
e procurou o livro dos Magos de Santa Ana. Será que em Coimbra o livro
existia?Sim... Lá estava! Abriu  na página onde estava escrito:
... Quando chegar diante da estrela a beije cinco vezes e depois mais três.
 Pág 17. Fechou o livro. Olhou para todos os lados e saiu. Uma jovem
pegou o mesmo livro e perguntou a ele:
-O  senhor é um  mago?
ELE olhou e pegou em suas mãos e respondeu:
-Só os que me reconhecem acreditam quem Eu sou...
Beijou as mãos da jovem se despedindo.Foi para a Cafeteria  ´´O Pão Nosso de Cada Dia´.
Pediu  café forte com torradas. Bebeu e comeu.Abriu o livro dos Magos e procurou o dia de Santa Ana no calendário do ano de 1888. A última lua cheia do mês. Pegou no meio das duas páginas uma partitura dos últimos anos de 2009. Ficou estudando a partitura. Começou cantar
baixinho. Estava escrito;
-Essa música depois de vivida será o sucesso de um compositor. Pediu a conta. Saiu como se tivesse um encontro marcado e que não poderia perder nem um segundo do precioso tempo. Tinha que chegar à festa da Praça principal de Coimbra.
Era a Igreja de Santa Ana.
Ele da três batidas com a ponta da bengala. Tudo passa rapidamente diante dos seus olhos. Cada passo que dava para frente, o tempo voltava. Mas ele continuava pisando para frente. Não podia parar. Era assim que funcionava ´´o domínio da relatividade de uma viagem no tempo´´.Tinha que chegar exatamente no lugar correto e no tempo certo.. Tirou o lenço para enxugar o suor de seu rosto. Olhou novamente as horas. O relógio marcava 6 horas da noite. Ouviu o badalar do sino da Igreja de Santa Ana confirmando o tempo e o lugar.
Tudo estava alinhado. O sol, a terra e a lua.
A Praça de Coimbra estava lotada. Os presentes  não poderiam nem supor o milagre que estava para ocorrer.  Ele escolheu uma das mesas que formava com as outras um circulo com uma estrela das rosas do vento no centro.
 A orquestra ficava do lado norte da rosa dos ventos. No leste uma estrela de cinco pontas desenhada no chão. Os músicos afinavam seus instrumentos num som quase enfadonho. Todos escutavam atentamente com ansiedade a preparação. Abriu o livro dos Magos para olhar a partitura. A música não saia da sua mente. Precisava toca-la, cantar e dançar. As pessoas já estavam lotando as mesas. Comiam e bebiam. Uma mulher chegou até ele e perguntou;
- O que esta achando da festa senhor?
ELE apenas sorriu para ela. Ela voltou a falar:
—Nesta festa o senhor beberá do bom vinho. O vinho de canã. Por acaso o cavalheiro está procurando a sua noiva?
Ele sorriu novamente. A mulher se retirou.
 A orquestra começou a tocar. O coração dele disparou. O maestro
Joaquim  disse:
---Nesta festa em céu aberto,
 Cuja lua brilha, encantando os casais enamorados peço licença.
 Para dizer algumas palavras em homenagem a nossa Senhora de Santa Ana
- A Madrinha dos Magos das duas Maria.

Oh! lua
Linda branca, nua...
Despida de tudo que possa criar limites
Vá e diga ao meu amor
Que ando pelos tempos, pelas vidas...
A tua procura...
Oh!Branca lua
Rosa branca nua
Vá e diga a ela que ainda a amo
E que de longe voltei
E nesta praça estou a te esperar
Agora!


(Aplausos! Aplausos!)

Viva Santa Ana!
VIVA MARIA! VIVA!

A orquestra passou a tocar. Ele ouviu atentamente. Levantou. Olhou
procurando um rosto conhecido na multidão. Nada encontrou. Ficou
inquieto. Será que tinha errado os seus cálculos no tempo e no espaço?
 As coordenadas, latitude, longitude, inclusive o relógio com as rosas
dos ventos indicava aquele lugar. Olhou novamente para se certificar:
–19.45 estava chegando à hora. Levantou e foi até o maestro.
Apresentou-se como musico. Pediu que tocasse a música daquela
partitura. Desceu do palco e deu as três batidas com a ponta da
bengala no chão. E disse:
---Que ela apareça nesta praça nesta rua agora. É o meu decreto!

 O carrinho de churros estava chegando. As mães com as crianças faziam
fila para comprar churros. Depois de certo tempo a

as pessoas a ignoravam.  Continuou a andar até que encontrou uma mesa.
Era a mesa do mago. Ela sentou-se de forma elegante. Cruzou as pernas.
Estava sem sapatos e com os pés imundos. Um casal de uma mesa ao lado
cochichou:
 --Pelo amor de Cristo como podem deixar uma mendiga participar de uma
festa como essa? Mas ela se mantinha alheia a todos os comentários.
Aquela parecia ser a sua mesa.  Tudo estava muito vago em sua memória.
Em cima da mesa o livro, uma rosa e um cálice com vinho... Sua face
estava tranquila. Matinha-se sorridente, como se houvesse algo
engraçado. Era de cor morena clara, de cabelos longos. Tentou se
perguntar como foi parar naquela festa, exatamente naquela mesa com um
estranho livro em suas mãos..  Vinham em sua mente lembranças vagas,
imagens confusas e inacreditáveis!
A orquestra terminou a canção sobre aplausos.
 Bravo!Bravo!
O maestro agradeceu. Bateu a sua batuta pedindo de silêncio para dizer:
—Senhoras e senhores. Hoje vamos ter o prazer de apresentar um musico que irá nos privilegiar com uma canção inédita. Inclusive a letra será composta de improviso quando ele estiver tocando em seu violino.
Os senhores não ouvirão tão cedo em nenhum recital. Vou pedir que o convidado se dirija ao centro da estrela e toque e cante para nós.
.Disse o maestro Joaquim.
 Aplausos!Aplausos!
O Mago Anael  foi para o centro do circulo colocou o violino negro no ombro e
fez silêncio.  Começou a tocar sozinho e depois acompanhado da
orquestra. A mendiga ficou concentrada, ouvindo atentamente a canção.Seu coração começou a bater forte  pulsando junto com o dele. Sentia no peito uma mistura de tristeza e  felicidade. Uma sensação de encontro e desencontro. Derrepente ele começou a girar, girar, girar,no sentido anti-horário.




 A Prece dos lábios do meu amor!
A sua oração foi tão forte que me excitou a descobri-lo;
deu-me conselhos e eu emprestei-lhe os meus olhos.

Ele da um botão de uma rosa  vermelha para ela.

MARIA

Oh! Terna e benfazeja noite de lua cheia! Este botão de amor, prestes
a desabrochar.... Talvez ainda o vejamos aberto em flor esplêndida no
nosso próximo reencontro.Em uma igreja talvez?

O MAGO

Oh! Vais me deixar assim sem me dizeres mais nada?
Permite que eu me demore aqui até que tu te recordes de quem EU SOU?


 Ela olhou para ele. O seu rosto não era mais o mesmo. Parecia vagamente um rosto conhecido. Mas ela não tinha certeza.
Os sinos da Igreja de Santa Ana bateram 12 badaladas. Eles começaram a dançar no sentido horário e tudo foi voltando à forma anterior. O rosto daquela linda mulher de sorriso alegre se tornou triste. Seu
vestido  foi perdendo a cor.  Ela o abraçou bem forte. Deu um beijo em sua boca e falou em seu ouvido:
Tenho sete nomes!! Pode me chamar de Maria.
 Partiu desaparecendo pelo portal entrando na escuridão da noite sem memória.
 As luzes das velas das mesas foram se apagando desmanchando o circulo
e a estrela iluminada.
O violino do mago voltou a tocar uma canção para Maria.
Na mesa ...uma vela insistia em permanecer acesa, cheia de esperança.

(E no jardim do Solar 84 O MAGO caminha na gruta da beira do lago a falar:)

O MAGO

E eu fico para tentar  esquecer  que não tenha outra habitação do que este jardim sem flor.


Ele parou de tocar seu violino. Todos estavam em silêncio, parados. Caminhou até a mesa e a olhou nos olhos dela profundamente. Ela começou a se transformar. A sua roupa tornou-se um lindo vestido
longo. Ele estendeu as mãos para ela, começando a cantar escrevendo a
canção.
Os lampiões da praça se apagam.
-Silêncio! Silêncio!Disse o maestro;
-Permaneçam em seus lugares e acendam as velas da mesa para que eles possam continuar a dançar.
Aos poucos as velas formaram um circulo de luz. Os dois ficaram no centro da estrela  da rosa dos ventos olhando um para outro. Ele
colocou o manto negro em seu ombro. E começaram a dançar a sonata não
completa. Ela perguntou:


MARIA

Quem és tu que protegido pela noite, assim vens surpreender os
segredos de minha alma? Sou uma mulher velha. O que pode um jovem
esperar de uma velha com tão pouco tempo para amar?Qual é o teu nome
que trazes em um tempo tão distante do meu?


O MAGO ANAEL

Não sei de que nome hei - de servir-me para te dizer quem sou. Mulher tenho por testemunha a cruz de que o teu tempo por menor que seja será
uma eternidade para mim tendo você como meu amor.

MARIA

Como pudestes aqui vir? Dize-me para que viestes?Os muros desse jardim são altos e difíceis de escalar E as rosas do meu jardim já não florecem como  antes.


0 MAGO ANAEL

Transpus as muralhas do tempo com as asas do amor que são leves, porque as barreiras de pedra não podem embaraçar os vôos do amor. O que é que o amor quer que não consiga?

MARIA

Quem te ensinou este caminho?


O MAGO
 20.26 minutos.